ATÉ TU, BRUTO?

Grecianny Cordeiro

Shakespeare foi um gênio da dramaturgia.
Passados séculos desde a publicação de suas obras, ainda hoje, nos encantamos com seus textos, trágicos ou cômicos, notadamente quando encenados no teatro ou vistos nos telões do cinema.
Relendo Júlio César, não há como não se deleitar com a beleza de uma obra tão maravilhosa que, mesmo já conhecendo o enredo e todos os spoilers, ainda somos tomados pela ansiedade de concluir a leitura.
Shakespeare tem o poder de despertar nossa curiosidade para um texto em que o personagem principal é assassinado logo no início!
Em Júlio César, o ditador romano que sofria do “mal da queda”, é vítima de uma conspiração arquitetada por Cássio e que conta com a colaboração de vários aristocratas, em especial, daquele a quem devotava grande estima: Bruto.
“Temei os Idos de março”, alertava um vidente a Júlio César.
No dia previsto para o assassinato, sua esposa Calpúrnia insistiu para que não saísse de casa, pressentindo uma desgraça, mas Júlio César foi habilmente convencido por Décio, uns dos conspiradores, que deveria sair, sob pena de ser ridicularizado por ser supersticioso, além do que, o Senado prometia dar-lhe uma coroa e torna-lo rei.
Das diversas punhaladas desferidas de forma covarde, é Bruto quem dá o golpe final. Surpreso com a identidade de seu algoz, a quem amava como a um filho, Júlio César profere a famosa frase que usamos até os dias de hoje para nos referirmos a um traidor: “Até tu, Bruto?”
Curiosamente, Bruto, o homem que entraria para a História como um dos maiores traidores, na peça shakespeariana, é retratado como um amigo que ama César, mas que teme que seu poder ilimitado possa levar Roma à ruína. É preciso mata-lo antes que se fortaleça mais. E seu drama consiste em se ver obrigado a trair o amigo por algo bem maior: seu patriotismo e sua lealdade à Roma.
Ao discursar para o povo, explicando sua atitude, diz Bruto: “porque César foi meu amigo, eu o choro; porque ele foi venturoso, eu me alegro; porque ele foi valente, eu o respeito; mas porque ele foi ambicioso, eu o matei”.
Depois, Marco Antônio discursa para o povo e o convence de que Júlio César nunca foi tirano ou ambicioso, arrematando com mestria: “Eu venho enterrar César, não louvá-lo. O mal que os homens fazem vive sempre, mas o bem é enterrado com seus ossos. Que assim seja com César”.
E assim são feitos os clássicos: de um material que o tempo jamais é capaz de destruir ou mesmo enfraquecer.

Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça

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