DESGRAÇA DÁ IBOPE

Grecianny Cordeiro

Até bem pouco tempo, sair nas páginas policiais de um jornal era algo considerado como detestável, e somente a mera possibilidade de tal fato ocorrer já era assustadora. Hoje, quando folheamos um jornal, praticamente só encontramos desgraça: “pai estupra filha”; “desabamento mata vinte pessoas”; “policial morto por bandidos”; “sequestrado empresário”; “verbas públicas desviadas”; “fuga de presos em delegacias”; “chacina no presídio”, dentre outras manchetes de igual ou semelhante natureza.
Mas essa ênfase aos dramas e às tragédias se repete nos noticiários televisivos, cujas boas notícias veiculadas podem ser contadas nos dedos de apenas uma das mãos.
É inevitável o seguinte questionamento sempre que lemos um periódico ou assistimos um telejornal: será que não acontece nada de bom nesse país? Será que ninguém faz algo bom, digno de ser noticiado? Será que não há um político, um policial ou um bandido que faça uma boa ação digna de nota, mesmo que seja ajudar uma velhinha a atravessar a rua? Será que não há uma ONG ou uma associação desempenhando uma atividade louvável para a sociedade?
Sem querer enveredar pela denominada literatura de autoajuda – a qual merece todo o nosso respeito -, talvez esteja na hora de a imprensa contribuir para melhorar a autoestima do brasileiro e mostrar-lhe que ainda há muita gente boa e honesta nesse país, cujos feitos merecem ser reconhecidos. Talvez seja a hora de se veicular boas e também más notícias, sem priorizar tanto estas últimas e sem “maquiar” as primeiras.
Decerto, a desgraça – em especial, a alheia – desperta no ser humano um grande interesse, digno de nota e atenção. Basta observar que essa irresistível atração pela tragédia, cujo surgimento remonta a Grécia antiga, não se verifica somente na imprensa, mas também nas novelas, na literatura e em todas as formas de manifestação artística e, o mais interessante, os melhores enredos versam sobre um personagem que passa uma estória inteira sofrendo e quando finalmente alcança a felicidade, a história acaba.
Enfim, não se precisa fazer “acreditar que o mundo é perfeito e que todas as pessoas são felizes”, mas talvez “fazer com que o mais simples seja visto como o mais importante”, citando Legião Urbana.
Será que não interessa a ninguém – em especial ao caro leitor ou ao telespectador – uma história feliz, ou será que só a desgraça dá ibope?
Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça e Escritora

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