TODOS OS NOSSOS RÓTULOS

Grecianny Cordeiro

TODOS OS NOSSOS RÓTULOS
Vivemos um curioso tempo dos rótulos.

Qualquer manifestação do pensamento ou comentário, seja em que assunto for, mesmo em se tratando de uma simples brincadeira, pode tornar alguém detentor de um rótulo a ser carregado nas costas durante a vida inteira.

Em uma época em que as redes sociais são os termômetros da sociedade, capazes de decidir os rumos da política ou mesmo o direcionamento da vida de uma pessoa, em função das curtidas ou compartilhamentos, emitir opinião sobre alguém ou algo pode ser extremamente perigoso.

Hoje, alguém que se diga defensor ardoroso do Meio Ambiente, portanto, contra o desmatamento das florestas, o uso de agrotóxicos e pesticidas nas plantações, a vulnerabilização das áreas de proteção ambiental, é tido como de esquerda.

Se alguém se mostra defensor do direito de portar arma de fogo em sua residência ou em qualquer lugar, é tido como de extrema direita.

Quando alguém se manifesta contra a liberação das drogas, mesmo que para uso medicinal, é taxado como retrógrado e insensível às mudanças do mundo.

Se alguém se diz a favor do aborto e da eutanásia, é rotulado como um inimigo da vida humana, alguém cuja alma não merece salvação.

Lutar pelo respeito à diversidade sexual e repudiar a homofobia é considerado coisa de pervertido, de pessoa que desrespeita os valores da família.

Defender o ensino público e gratuito, principalmente a nível de graduação e de pós-graduação, é coisa de comunista depravado, de gente que gosta de balbúrdia.

Ser contrário à Reforma da Previdência é coisa de gente sem compromisso com o Brasil, que quer manter seus privilégios, em detrimento do crescimento do país.

O brasileiro foi resumido ao de esquerda ou de direita; ao retrógrado ou depravado; ao casto ou libertino; ao bom ou mau; ao temente a Deus ou pecador, e por aí vai.

Os rótulos são vários, ao mesmo tempo em que seguem de um extremo ao outro. O meio termo passou a ser palavra fora de moda. Ou você é ou não é. Mais ou menos não pode.

Talvez, quem sabe, nem pensar.

“Traduzir-se uma parte na outra parte, é uma questão de vida e de morte, será arte?”

Para bem longe do poema de Ferreira Gullar, nos vem sendo o negado o direito de ser permanente ou de repente; nos vem sendo negado o direito de pesar, ponderar e delirar.

Temos garantidos rótulos para uma eternidade, muitas vezes, em momentos de pura efemeridade.

Que os poetas não sejam rotulados.

Que os poetas continuem sendo apenas poetas.

Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça

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