TODOS OS CAMINHOS LEVAM AO MAR

Grecianny Cordeiro

TODOS OS CAMINHOS LEVAM AO MAR

 

Por alguns instantes, fiquei sem palavras. Cabeça a mil. Confusão de pensamentos e emoções. Tentando absorver o que acabara de ler.

Há algum tempo, venho lendo e estudando sobre abusos cometidos em contexto religioso, onde pessoas que se dizem iluminadas, ao criarem uma seita, prometem a redenção, a iluminação espiritual, o nirvana, dentre tantas outras coisas… a seguidores/discípulos que o seguem cegamente.

Tal interesse se deveu a circunstâncias enfrentadas pela profissão, ao deparar com semelhante crime, em semelhante contexto. O mundo real.

No mundo ficcional, o livro de Renata Pereira descreve com fidelidade impressionante o que vi através dos autos de um processo.

O Profeta rege o mundo pós-apocalíptico em que Mixukú é o Deus. O livro Obra é uma espécie de Bíblia a ser seguida pelos fiéis discípulos, a descrever desde o início da criação até o dilúvio. Em uma ilha isolada, a única que restou no mundo, uma Nova Ordem seria criada. Nela, o Profeta estaria acima de todas as coisas. Todos – 37 mundos/pessoas – deveriam a ele seguir e obedecer, a partir de sua leis morais.

Júlia seria a escolhida pelo Profeta, a “sua menina especial”. Viktor, apaixonado por Júlia, seria o primeiro a duvidar daquele mundo único e a compreender que o Profeta agia errado com ela. Luísa é a irmã de Júlia, que desaparece misteriosamente. Júlia incorre em pecado imperdoável e deverá ser sacrificada.

O desfecho? Não posso dizer. O leitor jamais me perdoaria.

Um mundo irreal. Mandamentos morais destinados a manipular mentes e corações. Abusos contra mulheres como forma de expurgar o pecado que estas representam. A subjugação espiritual. Um líder religioso com a missão de purificar pecados e maldades, mediante a promessa de uma vida melhor… São esses os ingredientes desse livro instigante, que retrata com exatidão como ocorrem os abusos cometidos em contexto religioso, por meio de falsos profetas, gurus e líderes espirituais que se valem da fragilidade de alguns para incorrer em crimes inomináveis, em nome da fé.

“Todos os caminhos levam ao mar” é o mais fiel retrato de uma cruel realidade que muitos sequer desconfiam existir. Mas existe. As vítimas não se vêem enquanto tal. Mas são. O criminoso se vê como divino. E não é. Quem está do lado de fora, não entende como isso pode acontecer. E jamais entenderá.

Por meio da ficção, Renata Pereira descreve um mundo que ninguém vê, exatamente como ele é.

Promotora de Justiça e Escritora

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