Em uma bela manhã ensolarada, recebi de presente do amigo Ricardo Machado uma foto emblemática: na Praça General Tibúrcio, mais conhecida como Praça dos Leões, num banco com vista para a lateral da Academia Cearense de Letras e, logo ao lado, a Igreja do Rosário, um casal de moradores de rua sentava-se ao lado de Rachel de Queiroz.
A foto os flagrava de costas. O homem, mais perto de Rachel, estava com a cabeça baixa; talvez, pelo cansaço das noites insones e da vida desregrada; talvez, pela tristeza; talvez…
A mulher parecia olhar para a frente, sem prestar muita atenção ao companheiro; talvez, a refletir sobre as escolhas feitas; talvez, a pensar sobre a falta de oportunidades; talvez…
Rachel de Queiroz mantinha o corpo ereto, olhando para a Academia que a recebera em seus quadros somente em 1994, quando, desde 1977, ela pertencera à Academia Brasileira de Letras. A escritora deixou os pensamentos de lado ao deparar com aquele casal que parecia querer entabular uma conversa.
Sem qualquer prenúncio, o homem foi logo perguntando à escritora sobre o que fazer para sair daquela vida que tanto o maltratava e à sua família.
– A senhora, que é tão inteligente e que tanto entende sobre a miséria humana, me diga o que fazer. Todos os dias penso em voltar para casa, em arranjar um emprego e sair das ruas, mas não consigo. Fumo um pouco de crack e logo esqueço de tudo isso.
Rachel ficou em silêncio por alguns instantes, para então falar:
– Não sei bem o que dizer, senhor. Em meu tempo, os problemas eram outros. Era a seca, a fome, a falta de informação… Hoje, é a droga, facções, violência urbana e tantas mazelas.
– Mas a miséria do homem é a mesma, dona Rachel.
– Creio que a pior miséria é a falta de esperança.
– Quando desisti de tudo e perdi a esperança, eu caí mesmo em miséria – concordou o homem, pensativo.
A mulher, por sua vez, mantinha-se em silêncio. Pensava nos filhos que abandonara, deixando aos cuidados da mãe, já idosa; no lar e na família que não mais possuía. Ela também havia perdido a esperança.
Essa conversa poderia render por horas e horas. Mas o homem não queria ficar atrapalhando o momento de contemplação da distinta senhora, ocupando-a com sua desafortunada vida.
O casal levantou-se, pediu desculpas pela intromissão, agradeceu pela atenção dada e deixou a senhora aproveitar a paz daquela hora da manhã, quando ainda havia poucas pessoas no centro da cidade.
Com fina sensibilidade, o fotógrafo registrou a beleza daquele instante; entregou a foto para a escritora e esta devaneou.
Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça e Escritora
Crédito da foto: Ricardo Machado