O AVESSO DA PELE

Grecianny Cordeiro

O Avesso da Pele, de autoria de Jeferson Tenório, ganhador do Prêmio Jabuti de 2021, tem sido bastante badalado, não pela sua qualidade literária – que é inconteste – mas pela polêmica em que fora envolto.

O livro versa sobre a história de Pedro, que busca saber sobre seu pai e como se deu a sua morte depois de uma abordagem policial mal sucedida, em que o mesmo fora confundido com um bandido, precisamente, devido à sua cor da pele. Pedro procura compreender a si próprio a partir da reconstrução dos caminhos trilhados pelo pai e reconta o que seria a história deste.

No decorrer do enredo, o autor aborda assuntos que são prementes e que ainda insistimos em negar, a exemplo do racismo e as decorrências dessa prática arraigada em nossa sociedade. O livro é sobre o ser humano e a estrutura da sociedade brasileira.

Uma diretora de uma escola no Paraná postou nas redes sociais um vídeo em que fala sobre sua indignação pelo fato de o livro de Jeferson Tenório ter sido adotado no PNLD, em razão de seu conteúdo sexual.

Lamentavelmente, a diretora leu o livro até a página 29/30, talvez, e descontextualizou por completo o teor da obra, que não tem conteúdo sexual. No trecho citado, em verdade, Pedro questiona o fato de seu pai ter namorado uma moça branca e menciona sobre os inúmeros estereótipos que as pessoas lançam aos negros: que aprendeu a correr com os leões da África! Que a “pegada” dos negros é boa, que são insaciáveis e que o membro deles é grande. Você, caro leitor, nunca ouviu nada nesse sentido, em referência aos negros? Nem em piada?

A diretora deveria ter lido as 188 páginas do livro, para então compreender que o autor retrata a vida como ela é, sob o ponto de vista do negro, e não sob o conforto que sua branquitude lhe oferece.

Note-se que os livros do PNLD são adotados a partir das indicações das próprias escolas, portanto, caberia à diretora/professora, simplesmente, não ter indicado a obra em comento, mas daí a defenestrá-la sem sequer conhecê-la, ignorando a sua qualidade literária, me parece uma atitude infeliz para uma educadora.

E assim muitos embarcam cegamente na onda da diretora, emitindo opiniões sobre um livro que não leram e sobre o qual se tornaram, de repente, catedráticos.

Virados pelo avesso, somos iguais, independentemente de cor, sexo, religião e opinião política. Sobretudo pelo avesso, que possamos ser mais ponderados, mais empáticos, afinal, bom senso nunca é demais.

 

Grecianny Carvalho Cordeiro

Promotora de Justiça

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