QUANDO A DEMOCRACIA SE FORTALECE

Grecianny Cordeiro

No domingo, 8 de janeiro de 2023, eu acompanhava pela televisão, atônita, um mar verde e amarelo tomando conta da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Ainda mais atônita, acompanhei o quebra-quebra das vidraças do Palácio do Planalto e da sede do Supremo Tribunal Federal, e a consequente invasão de uma turba desenfreada que destruía tudo o que encontrava pela frente, dentre portas, cadeiras, computadores, móveis, obras de arte, num vandalismo inacreditável. No Congresso Nacional, até brincaram de legisladores e fizeram de escorregador a rampa da mesa diretora.

Pior que isso foi perceber o ar de glória nos rostos destas pessoas, que tudo filmavam e registravam como se aquela cena dantesca fosse a página mais bela da história que acreditavam estar construindo no meio da destruição.

As faixas que ostentavam, as bandeiras em que enrolavam num abraço e as palavras de ordem que entoavam falavam de pátria, liberdade, Deus e intervenção militar.

Mas não se pode falar em amor à pátria quando se destrói seu símbolo mais caro: a democracia, ali representada pelo Legislativo, Executivo e Judiciário; como se depredar suas sedes resolvessem as insatisfações com tais instituições, que são feitas por homens e mulheres que simplesmente por ali passam, enquanto as instituições têm caráter de permanência.

Não se pode falar em liberdade quando se pleiteia por um golpe militar, em que se porventura fosse exitoso, suprimiria justo a reivindicação pretendida: a liberdade.

Não se pode falar em Deus ou em Seu nome quando não se tem misericórdia e tolerância, respeito ou amor ao próximo, ou mesmo quando se tira um Cristo da parede para simplesmente jogá-lo a um canto qualquer.

Não se pode falar em intervenção militar quando ao militares é atribuída a missão constitucional de zelar pelo respeito à Constituição, a qual prevê o respeito ao voto e à soberania popular.

Não posso crer que alguém, em sã consciência, por mais devoto que seja a um grupo político ou a um político, por mais infeliz que se sinta ao ser derrotado pelas urnas, possa endossar os atos registrados nas filmagens do fatídico dia 8 de janeiro, acreditando assim ser um cidadão de bem, leal à pátria e defensor da liberdade.

O que quero crer é que esse lastimável episódio que envergonha toda a nação jamais se repetirá e que ao invés de morrer, a democracia brasileira fique cada vez mais fortalecida pelos laços de solidariedade que é capaz de despertar.

Grecianny Carvalho Cordeiro
Promotora de Justiça

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